segunda-feira, 21 de abril de 2014

Crianças hiperativas por Laura Guttman "Levanta. Corre. Incomoda os colegas. Fala. Distrai-se. Desconcentra-se. Queixa-se. Os lápis caem. Abaixa-se para pegá-los no chão. Ri. Conecta-se por alguns segundos com as tarefas da classe. Volta a se desconectar porque alguém abriu a porta. Conversa com o menino da mesa de trás. Levanta novamente. É castigado, expulso da classe. Sai. Caminha. Corre. Volta a entrar. O professor chama os pais. Os pais chamam um fonoaudiólogo. O menino é muito inteligente. E hiperativo. Essa criança incomoda os pais. Deixa-os preocupados, nervosos e cansados. Eles querem que ela fique quieta. Então, os pais perambulam por consultórios de pediatras, neurologistas e psicólogos tentando encontrar uma “solução” para tanto movimento. É claro que a esperada “solução” não está na criança, e sim nos pais. Pensemos que, às vezes, há tantas tensões na família, culpas, queixas, insatisfações e irritações que a criança não “consegue se concentrar” porque está atenta a todos esses conflitos emocionais. Naturalmente, não relacionamos a suposta hiperatividade da criança com a desordem que reina em nossa vida cotidiana. E não nos ocorre dar explicações nem tentar um diálogo honesto. Só queremos que ela pare com aquele comportamento. No entanto, enquanto estiver preocupada com alguma coisa que não consegue entender, irá sem rumo a lugar nenhum, cada vez mais desesperada. A esta situação (muito frequente), é necessário agregar as eternas horas que uma criança tem de passar “imóvel” na escola, onde a única instância que não perdeu liberdade é a imaginação, que a transporta a uma realidade emocional muito mais prazerosa do que a sua vida cotidiana. Então, enquanto seu corpo está na cadeira e sua mão atracada ao caderno, sua alma abre as asas... até que a criança não aguenta mais e sai voando atrás dos sonhos. Interpretamos esse voo da criança como hiperatividade, acreditando que é urgente cortar a fantasia, trazê-la para a mais dura realidade, aparafusá-la à sua mesa e, às vezes, sedá-la com a ajuda de medicamentos. Claro que podemos fazê-lo. Se nos interessa ficar tranquilos, não ser molestados com tanto movimento e, além disso, não temos nenhum interesse em compreender qual é o sonho da criança." do livro Mulheres Visíveis, Mães Invísiveis, de Laura Gutman 

Nenhum comentário:

Postar um comentário